terça-feira, 31 de março de 2009

Reportagem elaborada por um ex-aluno da Universidade do Minho

Integração dos Estudantes dos PALOP
na Universidade do Minho (Braga)
Ismael Silla


A discriminação na UM é indirecta e inteligente, não é descarada mas é uma espécie de exorcismo do outro [africano] pela afirmação de si [branco]. É subtil mas produz efeito!”. Esta é a opinião da esmagadora maioria dos estudantes africanos da Universidade do Minho (U.M.), inquiridos sobre a sua inserção naquela instituição.
Descobrir um estudante africano na UM que já não tenha sido discriminado racialmente é uma missão quase impossível. Mas são os próprios que reconhecem que essa discriminação é feita de forma indirecta ou “pelas costas”, principalmente através de comentários.
A integração destes alunos naquela Universidade deixou de ser uma tarefa espinhosa a partir do momento em que os estudantes africanos começaram a frequentar aquela instituição e passaram a puder receber e integrar os alunos recém-chegados. Até então, reza a história que os primeiros “não tiveram vida fácil”.

«Ensino demasiado teórico»
Para estes alunos o ensino português está algo desvirtuado do mercado de trabalho. Questionados a cerca do sistema do ensino português, todos foram unânimes em afirmar que: “há uma componente teórica muito exagerada”, explica Nelson Aguiar, um estudante africano de Direito, oriundo de São Tomé e Príncipe. Porém, acrescentam que reconhecem a importância da vertente teórica nos respectivos cursos. Mas, ainda assim, defendem que é preciso privilegiar a componente prática em detrimento da teórica porque “é o que verdadeiramente interessa. Quando começarmos a trabalhar é o que nos vão exigir mais”, rematou Nadine Firmino, outra estudante africana de nacionalidade cabo-verdiana.

Nadine Firmino

“Pelo menos no meu curso [Direito] há muitas cadeiras que não interessam para nada”, concluiu outro africano, Gilberto Bogaio Constantino, proveniente de Moçambique.


G. Bogaio Constantino

Estes estudantes apontam como um dos principais entraves à adaptação e a consequente integração na UM, o facto de à partida, a própria Universidade não os acolher da melhor forma. Defendem que, por se tratarem de pessoas vindas de países tão diferentes de Portugal, com culturas e tradições muito distintas, apesar da língua comum, deveria haver uma forma de os acolher tendo em vista a sua inserção.
Uma das queixas que relatam é o facto de chegarem atrasados no início dos anos lectivos dos seus países devido a problemas burocráticos a que os próprios são alheios. E consideram que os docentes deveriam estar mais sensibilizados para estas situações.
“No meu primeiro ano, cheguei atrasada e fui falar com o professor explicando-lhe a situação, e ele respondeu-me, fala com os teus colegas que eles lhe explicam a matéria”, recordou Suzan Reverdes de Cabo-verde.
Por outro lado, todos enaltecem o prazer de estudar na UM e “o sossego” de Braga. Carlos Gando estudante de Gestão oriundo de Angola diz que a cidade de Braga é óptima para se viver e estudar ressalva, no entanto, a falta de mais espaços verdes. Suzan Reverdes por sua vez confessa: “Adoro estudar na UM, adoro o meu curso [Educação] e adoro viver em Braga...mas deveria haver mais festas africanas no BA”, reclamou a aluna.

Suzan Reverdes

Administrador dos Serviços de Acção Social da UM, Eng. Carlos Silva, confrontado com estas posições dos alunos PALOP (Países africanos de Língua portuguesa), refuta todas as críticas e esclarece que os alunos são todos tratados de forma igual, pelo que não há propriamente uma forma específica de receber qualquer tipo de alunos.
“Entre os alunos não há diferenças salvo aqueles que vêm ao abrigo de algum acordo cooperacional, o que não tem sido o caso deles [alunos africanos]”, sublinhou, dizendo de seguida que a bolsa atribuída pela UM é, por ventura, a única coisa que distingue os estudantes portugueses dos estrangeiros, mas isso é algo que já vem contemplado na lei e não depende dele nem da Universidade.
“Eles que não me venham falar em isenção ou redução de propinas porque isso é algo que me ultrapassa. Não podemos ajudar com dinheiro mas podemos ajudar com outras coisas.
Como por exemplo, a obtenção de um salário diário e refeições gratuitas em troca de trabalhos nos bares e nas cantinas. O que noto as vezes, é que há certas comunidades [não quis especificar quais] muito fechadas, têm problemas e não se abrem connosco, não nos procuram e nós não podemos obrigá-los a falar. Sabe dessas pessoas que trabalham connosco quantas são dos Palops? Apenas uma. E sabe quantos brasileiros trabalham connosco? Quinze”, ironizou.
O responsável máximo por aquele departamento da UM, concluiu dizendo: “Estamos dispostos a ajudar desde que nos procurem, dentro das nossas possibilidades faremos os possíveis”, advertiu.

«Integração Relativa»
Em relação a cidade de Braga, segundo estes estudantes, as diferenças prendem-se com a cultura e a maneira de estar das pessoas “pouco abertas e solidárias”. Por sua vez, o clima é também apontado como um obstáculo à adaptação. Mas a tranquilidade da cidade e a beleza estética e urbanística aliada ao bom ambiente académico proporcionam uma melhor integração. Ao que se junta o ambiente africano, caracterizado pela amizade e camaradagem dos numerosos estudantes africanos da UM, que promovem o convívio, a inter-ajuda e a união ajudando a superar as dificuldades.
Todavia, esta integração é apenas relativa a comunidade africana e não à portuguesa propriamente dita. E reflecte-se também nas actividades académicas como (Praxes, Festas de curso e Enterro da Gata), onde grande parte destes estudantes não participa porque não existem laços entre as comunidades como afirma Nadine Firmino: “Sinto-me integrada no meio dos africanos mas não no meio dos portugueses”, a aluna prossegue: “Não gosto das praxes e não participo nas festas porque há um distanciamento muito grande para com os colegas de curso”, sustentou. Já Tchilissila Simões, uma estudante africana oriunda de Angola, justifica que estas actividades não são da sua “onda!”.
Os mesmos inquiridos reconhecem, no entanto, a importância das praxes na integração dos novos alunos, mas discordam da forma como é feita. Onde por vezes “humilham os caloiros e os obrigam a fazer o que não querem”. Suzan Reverdes considera, porém, que no seu caso, o facto de não ter sido praxada não a impediu de integrar-se na

turma e na UM, onde fez e continua a fazer boas amizades com pessoas das mais diversas nacionalidades: “Tenho muitos amigos brasileiros, portugueses, alemães e até coreanos e chineses”, confessou a aluna.

«Sou mais útil em África do que em Portugal»
Regressar ao país de origem e contribuir para o seu desenvolvimento. Este é, indubitavelmente, um dos poucos aspectos em que o consenso junto destes estudantes é total. Os motivos subjacentes a esta consciência comum alicerçados na ideia de regresso às origens são dos mais variados mas caminham todos no mesmo sentido. Ou seja, “sou mais útil lá do que cá”.
Nelson Aguiar preconiza o seguinte: “Quero contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária. O meu curso tem um pouco essa vertente, dar o meu modesto contributo para que São Tomé e Príncipe seja mais justa e livre”.


Nelson Aguiar

Já Saydi Albertino Lopes Nosolini, estudante africano na área de Administração Pública de nacionalidade guineense, entende que, no seu caso, não se justifica acabar o curso e ficar a trabalhar em Portugal, uma vez que a Guiné-Bissau precisa mais dele do que Portugal.

Saydi Nosolini
“Se eventualmente surgir oferta de um emprego muito bem remunerado, aí poderei até ficar mas só por uns tempos, depois voltaria logo”, assegurou. Para Tchilissila Simões fazer doutoramento nos EUA é o seu grande sonho, mas depois deseja, naturalmente, trabalhar em Angola, justificando que: “ a ideia de ser imigrante para sempre é um pouco chata e por isso pretendo ir trabalhar em Angola”. Por seu turno, Milton da Moura, estudante de comunicação Social de nacionalidade cabo-verdiana, diz que é uma questão de dever e justifiça: “Tenho o direito de ajudar Cabo-Verde e devolver tudo o que me deu”.

«Diversidade Cultural»
Actualmente, a população da Universidade do Minho é composta não só pelos alunos portugueses, de todas as camadas sociais, mas também por alunos oriundos dos PALOP’S, que dadas as profundas carências no ensino dos seus países de origem se vêem obrigados a prosseguir os seus estudos fora da sua pátria, de modo a atingirem os seus objectivos a nível profissional. Além destes, a UM recebe também outros alunos estrangeiros, no âmbito dos programas de intercâmbio Erasmus e Sócrates. Neste último grupo incluem-se os estudantes brasileiros que se aventuram a realizar uma parte do seu plano curricular fora do seu país.
Assim, a totalidade da população universitária torna-se bastante heterogénea, integrando as mais variadas perspectivas e projectos de vida. Contemplando diferentes culturas e personalidades. A par dos projectos de vida de todos os alunos, crescem sentimentos individualistas de realização pessoal.
A pouca “abertura e solidariedade” que estes estudantes africanos sentem por parte dos colegas portugueses leva-os a segregarem-se em Associações com o intuito de dar resposta a esta forma de “discriminação indirecta e inteligente” com que se deparam, visam também trazer para junto de si aquele sentimento mútuo, aquela afectividade. Valores tão nobres quanto grandiosos como a solidariedade e a amizade que são característicos nos seus países
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Fonte:Ismael Silla

1 comentário:

  1. Esta é uma reportagem interessante (embora precise de uma pequena revisão de escrita...), mas não entendo bem como estão a pensar utilizá-la no vosso trabalho. Amanhã tentaremos esclarecer isso, quando vocês apresentarem o estado actual do projecto.

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